7.11.25

Abril

Era início de primavera. Fazia um tempo que não podia usar bermuda na rua. Estava feliz em vesti-la, ainda que fizesse frio.

Quando chegou ao final da caminhada viu aquele imenso mar azul. Um tom de azul difícil de descrever. Um azul de tirar o ar. Era isso.

A cidade era Nice. Um nome com tantos significados.

Tudo se misturava, Nice, o azul do mar, as músicas, os sentimentos.

“Foi assim, como ver o mar...”

“Eu não sei se vem de deus, do céu ficar azul, ou virá dos olhos seus, esse azul que azuleja o dia...”

“O amor é azulzinho...”

O azul era do mar e o mar era ela. Quem dera pudesse morar na água.

27.10.25

De verdade, Maria

Um píer de madeira, no meio daquele mar azul, que se confundia com o céu. Um solzinho tão bom. A calma que aparece em momentos tão únicos na minha vida. Eu sentada, você também, do meu lado.

E de repente você escolheu uma canção aleatória. Mas tinha que ser uma que tinha marcado uma centena de dias meus, só para tornar impossível a estatística sobre coincidências.

“Farinhar bem, derramar a canção...” - Pausa para pegar o instante exato que aquele anjinho do capeta, vestido de cupido, atirou a bendita da flecha

E como se não bastasse o disparate, ainda apareceu uma tartaruga dano um oi para completar a cena cinematográfica e me atormentar por dias sem fim.

30.9.25

Cerco

 

Primeiro era achar um esconderijo

Para que as feras não estraçalhassem a carcaça colorida

Alguma coisa nela despertava uma agressividade incompreensível

Depois era vagar pelas florestas buscando cores

Olhando com cuidado pra não deixar nada passar

Então buscar uma morada onde coubesse

E procurar alguém para dividi-la

Depois era tarde pra vida

Caminhar para o cinza do fim

18.9.25

Arevamirp

Esse mês que tem um sol estranho, meio morno. Um céu apagado.

Uma porta entreaberta.

Talvez por isso ainda lembre dela a cada setembro.

Esquina

 Milton soprou algo em meu ouvido.

 Um pozinho mágico ali entrou e foi direto ao coração.

3.2.25

Monster

Apoiou as mãos e os pés no chão, como se fizesse uma flexão. Sentiu uma força violenta saindo de dentro de si. Apertou o chão com muita força. Deu um uivo de dor. Sentiu a pele inteira arrebentando. Depois os tendões, músculos e os ossos. Do resto da carne emergiu um bicho, uma criatura indescritível. Olhos negros que tragavam tudo. Sem reflexo. Sem fundo.

Abriu os braços e estufou o peito aspirando todas as trevas que podia. Elas o inflavam de tal maneira que pulmão ultrapassava o tamanho de todas as partes do corpo.

Sentia um poder mórbido, que demandava movimento. Tinha uma ânsia de correr em quatro patas e estraçalhar coisas com suas mãos, como se as garras que brotavam delas demandassem sangue.

Vontade de arrancar portas, entortar metais. Vontade de rasgá-la em duas partes e ver o sangue escorrer na calçada, até entrar num bueiro. Ver os ratos provando daquele líquido vermelho.

Vontade de estraçalhar vidros, cercas, muros, de virar carros, de derrubar postes. Queria parar carros com seu corpo imenso. Provocar acidentes em massa, parar as ruas, ouvir as pessoas gritando de pavor.

Queria absorver mais trevas, duplicar de tamanho. Esmagar crânios.

Antes tinha caído no chão e imaginado uma morte linda. Permanecia deitado e alguém partia seu peito com uma grande marreta de metal e concreto. Subia a marreta até o alto para pegar impulso e a abaixava com toda força. O sangue explodia através da sua boca. Uma morte rápida e poética. Representava exatamente o que sentia, o coração estraçalhado no chão. Já havia imaginado mortes, mas nunca uma tão bonita.

25.11.21

Cara ou Coroa

O que você queria saber que eu não disse?

Melhor seria a ironia.
Mais um remendo no peito. As cicatrizes amontoadas.
As batidas que ficam diferentes no tambor costurado.
A força que se esvai até sobrar um fiozinho de nada.
A vontade de ver um meteoro atingindo planeta e esgotando todo o tempo que resta.
O tempo que vira um martírio.
O entalo na garganta.
Mais uma vez em outro planeta.
Sem entender a vida.
A que vira soluço.

As pessoas sempre vão.