25.11.21

Cara ou Coroa

O que você queria saber que eu não disse?

Melhor seria a ironia.
Mais um remendo no peito. As cicatrizes amontoadas.
As batidas que ficam diferentes no tambor costurado.
A força que se esvai até sobrar um fiozinho de nada.
A vontade de ver um meteoro atingindo planeta e esgotando todo o tempo que resta.
O tempo que vira um martírio.
O entalo na garganta.
Mais uma vez em outro planeta.
Sem entender a vida.
A que vira soluço.

As pessoas sempre vão.

26.2.20

Mais um, menos um

Espero o semáforo abrir. 
O dia cinza pra me fazer companhia.
Aperto o cabo do fone ou um terço. 
Sem querer faço uma prece pra que o dia acabe sem insônia.
Caminho em direção ao parque.
Sinto que meus pés andam sozinhos.
Barreiras metálicas ainda contornam tudo.
Percorro os mesmos lugares. 
Nós passamos, os lugares ficam.

Peço um café.
O mesmo gosto.
O lugar é o mesmo.
Eu não.

Sete cidades pra combinar com sete anos de engano.
"Já me acostumei com a tua voz,
Com teu rosto e teu olhar.
Me partiram em dois
E procuro agora o que é minha metade (...)"


24.2.20

Sobre não saber

As noites em claro.
Os pensamentos afogados.
Os nós na garganta.
As dores no peito.
Os hematomas.
A respiração ofegante.
Os soluços agudos.

As noites frias.
Os pensamentos guardados.
As dores na garganta.
O peito acelerado.
Os arranhões.
A espuma na boca.
O silêncio cortante.





21.7.19

Ghost Story

Tantas luzes acesas.
Tantos carros passando.
Essa fumaça me lembra alguma coisa, mas não consigo definir. Continuo tossindo. Estou me acostumando já.
Estou tentando sentir menos. O vinho ajuda. A mesma música há uma hora. Não conseguimos decifrar quem descobriu essa linguagem secreta que conecta todos os homens.
Lembrei de todos os escritores que passaram por mim. Quase todos já se foram. Foram colocados em um caixão de madeira e fizeram alguém chorar. Com certeza eles também já sentiram a estupidez da existência.
No fim tudo se resumiu a um caixão descendo pra baixo da terra.
Estamos todos virando história.
Algumas ainda serão lidas. Outras jamais serão abertas.
Todos nós podemos ser aquele fantasma do filme. Aquele fantasma poderia ser eu. Esperando a vida se mover lentamente, enquanto tudo desaba. Preso numa estória. Virando história.

Tantas gerações pra chegar aqui...



4.12.18

20.


Até dá vontade de culpar o outro, a vida, a economia, a sociedade.
Mas nem é. É culpa minha mesmo.
Eu me trouxe até aqui. 
Por sufocar a rebeldia que me incomodava tanto. 
Segurei tanto o choro e a raiva que só sobrou o silêncio.
A cada dia eu me despedia um pouco dela, dele... de mim.
Troquei o papel pelas teclas, a poesia pelos relatórios. 
E se há cada vez menos vida em tudo que eu vejo, a culpa é minha.
Troquei a poesia pela prosa, a literatura pela burocracia.
-Há que se sobreviver... sub viver.
Não há. 
Há que se viver, sentir o peito ardendo mesmo e ter os olhos vivos de sangue. 
Há que se atirar no palco e enfrentar os risos. 
Há que se morrer de amor...
Volta lá e me avisa. Avisa que vou me deixar desaparecer.
Grita por mim. Acorda todo mundo.


Não me deixa sumir.

6.8.15

Caverna

As portas estão permanentemente abertas.
Há claridade o tempo todo, mas o ar continua denso.
As sombras deixam a parede e se transformam em imagens.
Raios que atravessam pele, ossos, espírito.
Relógios que não funcionam.
Remédios sem efeito.

Nem sorrisos ou lágrimas, ou risadas ou gritos.
Só fantasmas.
As paredes que já ouviram cada suspiro meu,
Abrigam agora o meu coração. 

1.12.12

Looping...

"(...)

- Gosta de mim?
- Gosto - disse Boris com uma careta.
- Por que faz essa careta?
- Porque você me perturba.
- Por quê? Não é verdade então que você gosta?
- É verdade.
- Por que não diz isso espontaneamente? É sempre preciso que eu pergunte.
- Porque não sei. Acho que essas coisas a gente não diz.
- Desagrada a você que eu diga que eu te amo?
- Não, você pode dizer, se isso vem espontaneamente, mas não deve perguntar-me se te amo.
- Querido, é tão raro eu te perguntar alguma coisa. O mais das vezes, basta-me olhar e sentir que eu te amo. Mas há momentos em que é o teu amor que eu quero.
- Compreendo - disee Boris com seriedade. - Mas você deveria esperar que acontecesse sozinho. Se não é espontâneo, não tem sentido.
- Mas, meu tolinho, se você mesmo diz que você não diz se não te pergunto!
Boris riu.
- É verdade, você me faz dizer asneiras. Pode- se ter um grande sentimento por alguém e não falar.
(...)
- Lola, olhe pra mim. Eu te amo."

(A Idade da Razão)